Quarta feira, 21 horas. O tempo está bem frio, mais eu estou protegido aqui em minha sala. Como diz o editor homem expresso, seguro em meu bunker particular. Estou em companhia de equipamentos construídos com fios, chips e placas de circuito impresso, e que trazem pra mim um mundo surreal e violento dividido em pedaços semanais de 50 minutos exibidos em uma janela para o mundo de 40 polegadas.
Vendo uma tribo nórdica que viveu a muitos séculos atrás avançando em combate contra um inimigo maior, fui conduzido a uma reflexão transportando aqueles seres singulares para os dias de hoje. Impossível, pois o mundo mudou. As coisas, as pessoas mudaram… Mudamos mais em 10 anos que em dez séculos. Evolução? Poderia se dizer que sim, mais na verdade, nem todos os aspectos da vida moderna foram melhorados. Um dos que foram piorando com o tempo foi sem dúvida a solidão. De uma grande tribo que se reunia em volta da fogueira para dividir a pilhagem do dia e beber vinho, passamos a viver com nossos brinquedos tecnológicos. As grandes batalhas são travadas somente na mente e no PlayStation guardado na estante. O homem moderno é solitário… E não é somente em relação as companhias femininas, mais todo o relacionamento real e sincero… As amizades tornaram-se extremamente superficiais e na maioria dos casos, desnecessárias.
A coisa ficou tão feia que em países como o Japão, os homens estão se relacionando com personagens digitais e bonecas robotizadas, porque perderam todo o “tino”social em suas vidas. Culpa de quem? Da tecnologia? Das mulheres? Da sociedade? Vai saber…
Estou iniciando essa reflexão não porque me sinto um solitário, mais porque sou um ponto fora da curva: sou um amante da solidão. Curto muito sentar em minha poltrona favorita, com uma garrafa de cerveja escura alemã em mãos e ligar meu equipamento de vídeo em meu programa favorito, no caso, séries americanas voltadas para o público Ogro.
Controle remoto em mãos, “zapeada” nos títulos… Finalmente vendo uma série inglesa de espionagem, super interessante diga-se de passagem, quando me dei conta de que não tinha mais o “néctar sagrado” em minha geladeira. Eram 22 horas, por causa do frio provavelmente a academia (onde sei que existem alguns amigos com bom gosto e algumas Paulaner Hefe-Weissbier Dunkelweizen na geladeira) já estava fechando, mais lembrei que existia um mercado próximo que fechava as 23 horas. Como estava “sem muita coisa pra fazer” resolvi colocar meu casaco e ir pra rua.
Checkup para sair de casa: celular, chaves, carteira, tênis surrado, casaco que se deixar anda sozinho de tão velho e minha boina preta, que sempre me acompanhou nas missões do exército, mas que hoje serve pra me dar uma aparência de um cara louco que deve ser evitado.
Sair de casa é fácil. Caminhar a noite é um exercício bem peculiar. Quando se é um homem de um metro e oitenta, corpo forte e cara de mal (típico Ogro moderno) realmente não há muitos riscos em sair nesse horário.
Despreocupado e reflexivo, caminhei mais ou menos um quilômetro quando percebi vindo em minha direção uma silhueta estranha àquele ambiente, provavelmente um viciado ou um morador de rua. Era uma rua escura, luzes da iluminação pública quebradas ou fracas, sons de grilos que se escondiam nos arbustos da calçada misturados com o som das televisões nas salas de estar nos apartamentos dos prédios que faziam os limites da rua.[pullquote]Quando se é um homem de um metro e oitenta, corpo forte e cara de mal (típico Ogro moderno) realmente não há muitos riscos em sair nesse horário.[/pullquote]
Sempre ando ligado, jamais sou pego de surpresa em situações destas, e analisando os passos do cara saquei que ele reduziu o caminhar e começou a direcionar sua frente ao caminho que eu estava seguindo.
Uma regra pessoal é não reagir a um assalto quando você sente que o meliante não tem nada a perder e você não possuí superioridade técnica contra ele. Eu não sabia a intenção daquele cara, se ele iria me pedir alguma coisa, se era maluco o suficiente para assaltar um cara do meu porte em uma rua escura ou se estava simplesmente drogado e achava que eu era um poste móvel indo em sua direção.
Pensei rápido, fechei os punhos, abri o tórax, abaixei a cabeça projetando o queixo pra frente e aumentei a velocidade de minha caminhada em direção ao sujeito. Acho que ele se assustou com minha insanidade temporária ou achou que eu ia roubá-lo, pois ele deu meia volta e correndo sumiu na escuridão.
Mais 2 quilômetros. 22:45h. Mercado aberto. Os funcionários estavam fechando as portas. Um segurança ensaiou um gesto para que eu não entrasse, mais imediatamente coloquei meu dedo indicador direito sobre o pulso esquerdo, dando 3 golpes,gesto clássico e impaciente que diz “ainda não está no horário de fechar”. Como ele sentiu que eu não estava no meu melhor dia (ou noite, no contexto da hora), resolveu deixar passar e adentrar aquele paraíso do gasto irracional.
Estante de cerveja, Paulaner Hefe-Weissbier (não tinha a Dunkel, só a clarinha), duas garrafas. Uma latinha de batatas fritas Pringles super faturada (e o que tem pra hoje), duas barrinhas de chocolate “milk way” (fui iniciado no vicio por um amigo que sempre tinha uma na gaveta de trabalho) e uma caixinha de amendoins.
A volta pra casa sempre é pior, mais com certeza foi um bom momento pra refletir sobre como adoro essa vida de lobo solitário. Fones de ouvido colocados discretamente sob o casaco pra não atiçar o desejo dos seres noturnos, um podcast sobre assuntos atuais em volume moderado, para que eu não perca os sons de alerta da vida noturna.
Mais três quilômetros em direção ao meu bunker particular.
E por hoje é isso.