1ª Guerra Mundial. A Alemanha enfrenta um inimigo gigante, viril e impiedoso, a temida e mortal Rússia. Hans Leip, pega seu “pau de fogo”, rifle com uma enorme baioneta na ponta, que exaustivamente foi cravada em um boneco de pano, no seu árduo treinamento. Em sua mochila de combate ele leva sua munição, comida, camuflagem, barbeador, uma barra de chocolate, lápis e papel.
Sábado. Depois de entrar em uma trincheira Hans Leip, que tinha acabado de tomar seu café da manhã, espera alguma comandos de seu chefe, para avançar pela clareira gelada em direção ao inimigo. Puxa o papel congelado de seu bolso e finaliza seu poema, onde escreveu versos organizados que carinhosamente chamou de Lili Marlen. Lili, seu amor, tinha ficado na Alemanha. Ainda lembra de seus olhos tristes, vermelhos e transbordando de lágrimas, quando deu seu ultimo beijo, talvez um beijo final para todo o sempre, sob a luz de um lampião que já estava ficando sem gás, na porta do quartel onde ele ia entrar pela última vez antes de seguir para esse front tão infernal quanto gelado. “Marleen” ele não conhecia bem, era o nome da namorada de seu companheiro de lutas, uma fogosa e voluptuosa enfermeira que vestia um branco tão limpo que doía em seus olhos. O seu amigo combatente agora estava dormindo com o rifle apoiado no ombro, para que não fosse pego de surpresa se algum oficial aparecesse para fazer uma inspeção surpresa.
Será que Lili sentiria ciúmes ao ver seu nome tão intimamente associado a outra, fêmea essa que usava farda, objeto de fetiche por 10 entre 10 homens de armas? Será que Marlen era tão austera quanto sua loirinha alemã de cabelos curtos e olhos de pantera? Será que ela chegaria a ler esta ode a sua benevolência? Ele só poderia divagar nessas questões, pois na verdade já estava na hora de limpar a arma e preparar para a nova marcha, agora em direção ao desconhecido.
Quarta feira. Cessaram as explosões. O cantar das metralhadoras se calou já a muito. Centenas de amigos mortos, alguns em seus braços, outros só tiveram seus nomes citados em penosas conversas em volta das fogueiras.
Hans estava numa dualidade de sentimentos. Sentia-se muito feliz por estar vivo, tinha sobrevivido ao inferno gelado, tinha sido ferido mais as munições não lhe levaram a vida e nem partes vitais de seu precioso corpo. Tinha a esperança de finalmente ter Lili em seus braços magros e possantes de um orgulhoso soldado do exército alemão.
Contrastando sentimentos também estava triste, pois a sua nação mãe, que lhe teve como filho legítimo e pela tinha doado seu bem mais querido, a vida, perdeu a guerra, e nesse exato momento, no sombrio fim de tarde daquela quinta feira chuvosa de 28 de junho de 1919 seus chefes estavam na França assinando o humilhante Tratado de Versalhes, uma carta de rendição que vendia a alma de cada alemão honrado para os ambiciosos países aliados, que dividiam a Alemanha já destruída como hienas ao ver uma carcaça abatida, abandonada por leões.
Hans Leip sobreviveu, vindo a falecer com 89 anos em 6 de junho de 1983.
No ano de 1937 ao se firmar como autor, publicou sua poesia passional em um livro que no ano seguinte virou música nas mãos do compositor Norbert Schultze, que criou uma melodia para suas estrofes. Por ironia do destino a música seria gravada por Lale Andersen em 1939, uma linda alemã com voz de anjo, anunciando o início da mais sangrenta guerra de todos os tempos: a 2ª Guerra Mundial.
Sábado, 12 de março de 1938. As tropas alemãs, sob o comando de Adolf Hitler, invadem a Áustria. Foi a reação a humilhação imposta pelo tratado duas décadas atrás. Com o incentivo de seu führer, o país deixou de pagar a indenização devida pela derrota na guerra, o partido nazista rearmou a Alemanha, perseguiu os comunistas, ciganos e judeus e começou sua hegemonia, conhecida como “Terceiro Reich” que culminou nessa ação de sábado. Hitler é recebido com todas as pompas pelo povo austríaco em Viena, que queriam anexar seu país ao império que supostamente estava nascendo.
Nos próximos meses Hitler invadiu a Checoslováquia e depois a Polônia.
E assim o mundo se dividiu em dois: Levando em consideração os mestres do tabuleiro do xadrez humano que era a guerra, de um lado da batalha estavam Alemanha, Itália e Japão e do outro Grã-Bretanha, França, Estados Unidos e União soviética, que devastavam milhares de vidas na Europa, Ásia e África.
Ano de 1941. A Rádio Belgrado toca uma canção de amor para os soldados Alemães. Nos dias seguintes, milhares de cartas e telegramas chegam à pequena rádio pedindo veementemente a repetição daquela canção. Logo ela foi memorizada pelos soldados alemães do Afrika Korps; o próprio Marechal Erwin Rommel gostou tanto dela que solicitou à Rádio Belgrado que a incorporasse em sua programação, pedido rapidamente atendido. A canção passou a ser tocada às 21:55h todas as noites, antes do horário do silêncio.
Joseph Goebbels, um tipo de “marqueteiro” militar, trabalhando para o exército nazista, tentou em vão proibir a canção doce ou até mesmo substituí-la por uma versão “marcial” e mais viril para levantar um exército que estava indo enfrentar o resto do mundo. O que mais o surpreendeu foi que até mesmo os soldados britânicos começam a cantá-la (em alemão ou em versões improvisadas para quem não sabia falar a língua) no front de batalha e nas zonas de descanso. Um oficial inglês não achou pertinente ouvir seus homens cantando em alemão e traduziu a música para o inglês, e não demorou muito para música começar a ser traduzida e gravada em diversos outros idiomas, pois cada exército aliado queria saber o que os versos tão melodiosos significavam.
Ela se tornou praticamente o hino “não oficial” da Alemanha, que superou até mesmo o definido pelo país a mais de 80 anos e que se espalhou pelo mundo na ponta das baionetas dos rifles.
A melodia se chamava Lili Marleen.
A música foi tão reproduzida que ganhou uma versão inglesa oficial gravada por Anne Shelton, que vende já nos primeiros meses centenas de milhares de cópias. Nesse tempo estima-se que a canção foi gravada em cerca de 50 idiomas, por milhares de cantores.
Lili Marleen superou todas as barreiras ideológicas, de ódio e de língua e tornou-se o hino não oficial de todos os dias para os soldados que partiam para a possível morte no sangrento front. Uma canção feita por um homem, mas gravada na maioria das vezes por vozes do sexo feminino.
A canção, como um protesto da inocência daqueles anos combate pacificamente o horror da guerra, pedindo paz por meio de uma simples beijo embaixo do lampião do poste que iluminava o portão do quartel, onde o casal apaixonado conversava pela última vez. Será que voltarei para nosso lampião como outrora, Lili? Perguntava a canção.
Letra da música:
Em frente ao quartel
Diante do portão
Havia um poste com um lampião
E se ele ainda estiver lá
Lá desejamos nos reencontrar
Queremos junto ao lampião ficar
Como outrora, Lili Marlene.
Como outrora, Lili Marlene.Nossas duas sombras
Pareciam uma só
Tínhamos tanto amor
Que todos logo percebiam
E toda a gente ficava a contemplar
Quando estávamos junto ao lampião
Como outrora, Lili Marlene.
Como outrora, Lili Marlene.Gritou o sentinela
Que soaram o toque de recolher
Um atraso pode te custar três dias
Companheiro, já estou indo
E então dissemos adeus
Como gostaria de ir contigo
Contigo, Lili Marlene
Contigo, Lili MarleneO lampião conhece teus passos
Teu lindo caminhar
Todas as noites ele queima
Mas há tempos se esqueceu de mim
E, caso algo ruim me aconteça
Quem vai estar junto ao lampião
Contigo, Lili Marlene?
Contigo, Lili Marlene?Do tranquilo céu,
Das profundezas da terra
Me surge como em sonho
Teu rosto amado
Envolto na névoa da noite
Será que voltarei para nosso lampião
Como outrora, Lili Marlene.