Resenha: Pequenos Incêndios por Toda Parte (Little Fires Everywhere)

Resumo do livro

“Um encontro entre duas famílias completamente diferentes vai afetar a vida de todos.

Em Shaker Heights tudo é planejado: da localização das escolas à cor usada na pintura das casas. E ninguém se identifica mais com esse espírito organizado do que Elena Richardson.

Mia Warren, uma artista solteira e enigmática, chega nessa bolha idílica com a filha adolescente e aluga uma casa que pertence aos Richardson. Em pouco tempo, as duas se tornam mais do que meras inquilinas: todos os quatro filhos da família Richardson se encantam com as novas moradoras de Shaker. Porém, Mia carrega um passado misterioso e um desprezo pelo status quo que ameaça desestruturar uma comunidade tão cuidadosamente ordenada.”

A autora do livro Celeste NG

O título do livro já é explicado nas suas primeiras páginas, quando é citado um incêndio na casa dos Richardson, provavelmente cometido pela filha mais nova do casal, a Izzy, e a história é contada do passado até  esse dia. A trama do livro vem em um contínuo flashback que narra a história até o momento do incidente.

Para falar a verdade eu não entendi muito bem toda essa empolgação em relação à esse  livro, que virou até uma série na Amazon Prime Video.

Logo de cara, tanto no livro quanto na série, vemos uma batalha moral entre a inconformada e criativa artista Mia contra as mulheres de meia idade de Shaker Heights, principalmente em relação a Elena, a mulher que aluga a casa para Mia.  Na narrativa a autora deixa bem claro que a personagem central do livro é a Mia, e tenta definir que sua moral é a certa.

No decorrer do livro vemos que todos os personagens que admiram Mia são bons na história, e os demais são ruins, inconformados ou simplesmente aleatórios na trama.

Na trama do livro quem odeia Mia, conforme o texto vai avançando, passa a admirá-la experimentando uma linda e estimulante redenção.

Isso até poderia ser aceitável se a personagem não tivesse tantas atitudes egoístas: julgar atos dos personagens baseando-se em suas ações próprias, que a levaram a arrastar a filha adolescente por uma vida nômade, privando a menina de qualquer laço sentimental, família, história pessoal ou oportunidade de montar uma vida.

Mas de acordo com o livro, Mia é a melhor mãe do mundo, uma pessoa muito melhor do que todos aqueles pais de Shaker Heights, todos reprimidos conforme ela afirma, e que enchem os filhos de uma “boa vida” mentirosa. A repressão e o  gosto por uma vida simples é o pecado daquela cidade, que a Mia, com sua liberdade e concepção mambembe da vida, veio para abalar.

Até mesmo a trama envolvendo a chinesa Bebe, que se vê obrigada a abandonar sua bebezinha na porta de um quartel dos bombeiros por não ter recursos para criá-la, no fim só serve para mostrar como Mia é  incrível e misericordiosa e como as mães de Shaker Heights são horríveis.

Sim, a autora pode se expressar da forma que ela deseja, mas o que eu quero falar aqui é que seria mais interessante que os personagens fossem nos apresentados de forma menos rotulada, pois Elena Richardson é praticamente transformada em uma vilã de desenho animado: uma mulher que está casada há 20 anos, tem quatro filhos adolescentes, tem amizades duradouras, uma vida estabilizada e o mesmo emprego há 20 anos tem que saber alguma coisa perdão ou compromisso. Em contrapartida Mia é especialista na arte de perdoar, apesar de nunca ter tido um namorado fixo, não tem amigos (exceto Bebe, mas que é uma relação totalmente desproporcional), está afastada de seus pais porque eles a criticaram durante o luto do próprio filho, e que nega relacionamentos normais para sua filha.

Outra coisa que não gostei no livro foram os furos de narrativa. Em alguns pontos do livro tínhamos a nítida impressão que a linha de pensamento vinha de um personagem, quando do nada um fato e citado sobre a qual aquele personagem não tem ciência. Isso começa a ficar estranho quando temos um flashback que começa com a história de um personagem e do nada aparecem fatos que o personagem não conhecia.

É como se um narrador (terceira pessoa) estivesse simulando o personagem até o ponto em que ele deveria nos passar uma informação que aquela pessoa desconhece, e alguns destes flashbacks são tão longos e profundos que atrapalham a história principal.

Outros furos:

Como a foto que Mia vendeu acabou em um museu de Shaker Heights? Porque os pais de Mia contaram a história da vida da filha para um estranho, mesmo a história não tendo nenhuma relação com o que a repórter perguntou a eles (chegaram até a dar os nomes dos outros pais e do advogado)? Como Bebe conseguiu um levar um bebê de avião para a China sem dinheiro, certidão, passaporte nem permissão do pai da criança ou certidão de óbito do mesmo?

De qualquer forma o livro foi um sucesso, sendo até adaptado em uma série da Prime Video, que muda um pouco os temas da obra dando mais ênfase à questão racial, que a dinâmica entre as personagens em si.

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